Ernesto de Sousa, incontornável figura de dissidência cultural e política, inicia o seu percurso de crítico, teórico e artista em meados dos anos 40. Enquadra-se numa frente de oposição cultural à ditadura e terá um papel definidor na construção do neo-realismo visual português. Contra o modernismo vinculado ao SNI (Secretariado Nacional de Informação) de António Ferro, a oposição ao regime tem expressão no formato escrito através de periódicos como O Diabo ou o Sol Nascente, onde o espírito neo-realista surge, num pós-Segunda Guerra, como um combate sem fronteiras por uma transformação do mundo. Ernesto contactará com simpatizantes portugueses do Neo-Realismo ainda na Faculdade de Letras onde, em 1942, começará a escrever no quinzenário cultural Horizonte, editado pela associação de estudantes. Nestes textos, já se vislumbra a sua proximidade ao projecto neo-realista, que prosseguirá em 1946 com um convite de Fernando Lopes-Graça para colaborar na revista Seara Nova como crítico de arte. Não virá, no entanto, a pertencer a nenhum dos núcleos neo-realistas, ainda que defenda permanentemente vários dos seus nomes mais representativos, como Júlio Pomar, Lima de Freitas ou Manuel Ribeiro de Pavia.
2. DOM ROBERTO, FILME DA ESPERANÇA
Com o fim da guerra e a vitória dos Aliados, Salazar, pressionado pelas potências vencedoras, pronuncia em Agosto de 1945 o discurso da ‘’abertura democrática’’ do regime, prometendo eleições livres.
Mariana Pinto dos Santos, «Neo-realismo em Ernesto de Sousa»
As oposições à ditadura alinham-se no MUD (Movimento de Unidade Democrática) reunindo esperanças de combater legalmente o regime. Em 1946, criar-se-á o MUDJuvenil como uma secção autónoma à qual Ernesto de Sousa se ligará através do amigo Júlio Pomar. A partir deste ano, Ernesto de Sousa fundará o Círculo de Cinema, uma das primeiras tentativas de criação de um cineclube em Portugal, empenhando-se em tentar obter uma autorização legal para o seu funcionamento. Esta autorização nunca chegou e os seus sócios, Ernesto de Sousa incluído, acabariam presos na sequência de uma das reuniões do Círculo, a 31 de Janeiro de 1948. Na sequência do seu relatório à PIDE, Ernesto de Sousa tem de responder pela sua ligação ao MUD e ao MUDJ. Arriscaríamos dizer que o movimento da narrativa em Dom Roberto, por um vislumbre insuflado pelo ganho e pela esperança no futuro, para logo depois se reencontrar com a perda, corresponde à própria vida do MUD, animada pela esperança em eleições democráticas com a candidatura do General Norton de Matos em 1949, um marco assinalável na longa luta travada pela Oposição contra a ditadura fascista e logo depois extinto. Durante dez anos (desde 1954), Ernesto de Sousa dinamizará o Cineclube Imagem e a revista com o mesmo nome, que deixa de ser publicada em 1961.