sexta-feira, 25 de abril de 2025

Fantocheiro – Parte 3

 


Fantocheiro – Parte 3

de Vítor Costa
Os anos foram passando e a vida foi moldando-me como a madeira dos meus fantoches. Com a gurita às costas e os Robertos na alma, continuei a bater feiras, de terra em terra, de rosto em rosto. A cada gargalhada de uma criança, a cada aplauso de um adulto, sentia que estava onde devia estar. Mesmo quando o bolso estava vazio, o coração ia cheio.
Mas nem sempre foi fácil. As noites eram longas e por vezes frias, e o corpo começava a acusar o cansaço das obras, das praias, das feiras e das saudades. Principalmente das saudades. A ausência das minhas filhas deixava um buraco que nem os melhores espetáculos conseguiam tapar. Ver a Nicole e a Carolina irem para o Canadá foi como ver partir um pedaço de mim. E por mais que tentasse entender que a vida tem o seu caminho, aquilo doía.
Depois veio a Margarida, uma luz nova no meio da escuridão. Os filhos são assim, fazem-nos reaprender a viver. Mas com mais filhos, mais responsabilidades. E com a vida cada vez mais apertada, não havia tempo para me perder nos "ses". Tinha que continuar. A levantar cedo, a carregar a minha gurita, a montar os palcos improvisados e a dar vida aos bonecos que há tantos anos me acompanham.
Os Robertos tornaram-se mais do que marionetas — eram testemunhas da minha caminhada. E no meio da dureza da vida, nunca deixaram de me lembrar quem eu sou: um fantocheiro. Um homem que transforma pedaços de madeira em sonhos.
E mesmo quando o mundo parecia não querer saber, eu estava lá. Com um sorriso, uma história e um boneco na mão.