Parte 4 – De terra em terra, com os Robertos às costas
Depois daquele início cheio de sonhos e esperança, a vida levou-me de terra em terra, feira em feira, praia em praia, sempre com os meus Robertos às costas. Era uma vida de estrada, poeira, sorrisos e improvisos. Muitas vezes, montava a gurita em qualquer canto: areia quente de uma praia, calçada de uma vila, ou mesmo entre barracas de feira. A magia era sempre a mesma – os olhos das crianças brilhando, os adultos a recordar a infância.
Lembro-me bem de uma noite numa feira. Tinha terminado mais um espetáculo, e a chuva caía desalmadamente. Eu ia dormir ali mesmo, debaixo da minha gurita. A água escorria por todos os lados, e estávamos todos encharcados – eu, a roupa, os bonecos. Os Robertos ficaram tão molhados que as cabeças inchadas não deixavam nem a minha mão entrar nos buracos. Foi preciso refazer tudo: secar, lixar, pintar, e até abrir de novo os buracos das cabeças. Uma trabalheira danada, mas era o preço da paixão.
Outra vez, estava com o meu irmão Eduardo – que Deus o tenha – numa feira. Estava a meio de uma apresentação, naquela parte que costuma ser mais parada, sem grande graça. De repente, ouvi-se uma gargalhada imensa lá fora. Um riso daqueles que contagia. Fui espreitar o que se passava, e lá estavam dois bêbados à porrada. Um espectáculo à parte, de tal forma trapalhão e cômico, que era melhor que muito filme. Eles tropeçavam, abraçavam-se e empurravam-se como se fossem personagens de uma farsa. Às vezes, nem os bonecos conseguem competir com a vida real.